“Os meios de comunicação no Brasil precisam olhar mais para crianças e adolescentes como cidadãos”

Maria Carolina Cristianini, editora-chefe do Joca, bateu um papo com o #TMJ sobre jornalismo infantojuvenil, literacia midiática, fake news e muito mais

 

Lançado em 2011, o Jornal Joca surgiu com a missão de levar notícias da atualidade para as crianças e jovens brasileiros. O veículo idealizado por Stéphanie Habrich, uma alemã que se mudou para o Brasil aos seis anos, foi inspirado nas publicações do gênero na Europa e nasceu para suprir uma deficiência no mercado editorial brasileiro: a inexistência de um jornal exclusivo para esse público.

 

Para entender mais o projeto, o #TMJ conversou com Maria Carolina Cristianini, editora-chefe do Joca desde julho de 2018. Graduada pela Universidade Metodista de São Paulo, tem experiência de mais 15 anos no meio jornalístico infantojuvenil, tendo passado 10 anos na revista Recreio, onde foi redatora-chefe, e também pelas publicações Mundo Estranho e Aventuras na História – pela qual recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo 2007, na categoria Criação Gráfica para Revistas. Em setembro de 2020, ministrou na ESPM o curso “Jornalismo infantojuvenil: história, importância e caminhos”.   

 

A importância de um veículo como o Joca se deve ao fato de os jovens nativos da era digital, nascidos a partir do ano 2000, terem tido uma “educação midiática” que de alguma forma os afastou do Jornalismo?

 

Dizer que os nativos digitais se afastaram do Jornalismo em consequência da educação midiática que tiveram não me parece totalmente verdadeiro. Para mim, esse afastamento entre os jovens (crianças e adolescentes) e o Jornalismo se deve mais à falta de oportunidade para que a aproximação – e uma relação saudável, crítica e produtiva – acontecesse. O Brasil sempre ofereceu poucas oportunidades/opções de Jornalismo infantojuvenil (ou seja, Jornalismo feito pensando na criança e no jovem). Houve a época dos suplementos de jornais – que pouco focavam no noticiário das atualidades – e revistas, mais voltadas para a curiosidade, a ciência e o entretenimento. Atualmente, seguimos trabalhando para o fortalecimento do fato (e prática dele) de que a criança e o adolescente têm direito à informação (previsto pela Convenção sobre os Direitos das Criança, adotada pela ONU, e pelo ECA).

 

Podemos creditar o avanço das fake news entre os mais jovens a uma falta ou diminuição de literacia midiática? 

 

Acredito que a falta de literacia midiática – especialmente a falta de compreensão sobre o que é jornalismo, como ele atua, como identificar o jornalismo profissional etc. – está entre as causas do avanço das fake news não apenas entre os mais jovens, mas entre todos. Um dos benefícios de se ter contato com o jornalismo desde a infância é essa compreensão da prática jornalística. Vejo, atualmente, as crianças que leem o Joca muito mais interessadas em entender os processos jornalísticos do que a infância da minha geração, nos anos 1980. Não há conversa entre jornalistas do Joca e seus leitores em que o tema das fake news não surja, com os jovens nos pedindo dicas para fugir da desinformação, por exemplo. A nossa experiência mostra que o contato com o jornalismo, por meio de uma publicação especializada no jornalismo infantojuvenil, torna as crianças e adolescentes muito mais atentos à questão das fake news. Além disso, quanto mais se lê, mais repertório se ganha (no caso da leitura de notícias, sobre o mundo, a sociedade). E quanto maior o repertório, mais se está protegido contra as fake news.

 

“Acredito que a falta de literária midiática – especialmente a falta de compreensão sobre o que é jornalismo, como ele atua, como identificar o jornalismo profissional etc. – está entre as causas do avanço das fake news”

Como o Joca chegou a esse formato, como conduz sua pauta, como cuida de sua linguagem)?

 

Como diz a Stéphanie Habrich, nossa fundadora, não inventamos a roda. O jornalismo infantojuvenil é praticado há décadas pelo mundo, como a experiência dela na infância e juventude mostra. Só para você ter uma ideia, de acordo com o livro “International Companion Encyclopedia of Children’s Literature” (editado por Peter Hunt e publicado pela Routledge em 2004), a publicação alemã Jugendlust (depois chamada Floh!) foi criada em 1875 e descontinuada em 2018. Ela é apontada como a revista juvenil mais antiga do mundo em atividade no momento da publicação do livro. Nossa condução de pauta é levar as notícias da atualidade – de temas que passam por Brasil, Mundo, Ciência e Tecnologia, Cultura, Esportes, entre outros – para as crianças e jovens, usando linguagem acessível e contextualizada. Um de nossos objetivos é noticiar para que nossos leitores criem repertório de informação sobre os mais variados temas – e, a partir disso, comecem a entender a sociedade (da qual fazem parte, como cidadãos que já são) e a desenvolver seu pensamento crítico. Mais detalhes sobre pauta, seções e afins você pode encontrar na nossa linha editorial.

 

Como surgiu a ideia da parceria com a CBN para a produção do Revisteen?



Estamos sempre em busca de acompanhar as transformações que ocorrem entre nossos leitores – leitores que mudam o tempo todo, muito ligados a tudo de novo que surge. Uma dessas novidades são os podcasts. Vemos o Joca não apenas como um jornal impresso, mas como um produtor de conteúdo jornalístico para crianças e jovens. Dessa forma, precisamos estar presentes nas variadas frentes que fazem parte da forma como nossos leitores acessam a informação. É por isso também que mantemos o site do Joca, com notícias atualizadas diariamente, e nosso canal no YouTube, o TV Joca. Assim surgiu também a ideia de criar um podcast. A parceria com a CBN veio para unir forças e know-how para a produção.



Um jornal impresso e um programa de rádio: os jovens respondem bem a essas mídias mais tradicionais?

 

A relação dos leitores com o jornal impresso é muito mais intensa do que a relação que eles possuem com o site do Joca, por exemplo. Existem alguns motivos para isso. Nessa fase da vida, o papel representa o concreto e se faz necessário, e amado – já soubemos de leitores que dormem com o Joca embaixo do travesseiro. Vemos a comprovação disso a cada visita que fazemos a escolas que usam o Joca, onde a Stéphanie e a equipe chegam a autografar as edições impressas. Agora, com a pandemia, estamos frequentemente em contato com os leitores por meio de videoconferências. Especialistas também falam sobre isso, como Natércia Tiba, psicóloga clínica, psicoterapeuta de casal e de família, colaboradora do Joca. Segundo ela, notícias se tornam distantes dos jovens quando apresentadas em formato eletrônico – é bem diferente de ver um vídeo com uma pessoa ou personagem com o qual a criança já criou um vínculo. Ter o jornal nas mãos, poder folheá-lo… É isso o que gera o envolvimento com o leitor nessa faixa etária. Ou seja, o concreto se faz necessário antes de o jovem partir para o mundo abstrato, no formato digital.

 

“A relação dos leitores com o jornal impresso é muito mais intensa do que a relação que eles possuem com o site do Joca

Ou seja: o jornal impresso ainda tem potencial de atrair as novas gerações?



Também vemos que a leitura de um jornal impresso faz a criança e o adolescente se sentir pertencente à sociedade – trata-se de um produto jornalístico feito para eles (e também por eles, já que a participação do leitor é constante e intensa) e palpável, real, concreto.
Recentemente, a Stéphanie conversou por videoconferência com François Dufour, co-fundador e redator-chefe do jornal infantojuvenil francês Mon Quotidien. Ele disse: “As crianças, os pais, os professores e mesmo os adolescentes preferem ler o jornal impresso do que acessar o nosso site. Entre 7 e 11 anos, as crianças não costumam ter um celular próprio. Depois, os jovens de 12 a 17 anos não gostam de ler nos smartphones. Eles preferem fazer outras coisas no aparelho, como ouvir música, ver vídeos, jogar, trocar mensagens. Aqueles que têm vontade de ler notícias e gostam dos nossos jornais, preferem o papel. E ainda há uma razão mais prática: o jornal chega na casa deles, vai até os jovens graças ao papel.” Os podcasts ganham cada vez mais espaço também entre crianças e jovens. Apesar do formato de áudio, do “antigo rádio”, eles chegam de forma totalmente contemporânea, por demanda, em plataformas especializadas.

 

E como é o engajamento dos jovens ouvintes com o podcast?



Com o Revisteen, apesar do tempo de existência menor, recebemos pedidos semanais de crianças e jovens que querem participar como apresentadores junto com a Petria Chaves – um ouvinte já chegou a nos pedir mais de um episódio por semana, por achar que um é pouco. E estamos vendo um aumento considerável de escolas que nos pedem para falar sobre podcasts com seus estudantes, pois estão desenvolvendo produtos nesse formato em sala de aula. Podcasts também podem ser trabalhados/ouvidos em sala de aula.

 

Você acredita que conseguem reaproximar o jovem das notícias e fazer uma ponte com os meios de informação jornalística “adultos” conforme o leitor/ouvinte de vocês cresce?

 

Sim. O contato com o jornalismo infantojuvenil, ainda na infância e durante a adolescência, desperta para a importância de se manter informado por meio do jornalismo profissional. E para a relevância da imprensa na sociedade. Isso é algo que se leva pela vida.

 

“O contato com o jornalismo infantojuvenil, ainda na infância e durante a adolescência, desperta para a importância de se manter informado por meio do jornalismo profissional”

Como vocês do Joca e do Revisteen enxergam iniciativas como Nexo, Meio e Agência Pública, entre outras plataformas: têm conseguido restabelecer essa ponte com os mais jovens a ponto de engajá-los no consumo de notícias

 

Vemos todas as iniciativas que se propõem a levar jornalismo para os jovens de forma positiva. É preciso que os meios de comunicação no Brasil olhem mais para as crianças e os adolescentes como cidadãos já atuantes da sociedade em que todos vivemos. E que trabalhemos juntos para ajudar esses jovens na formação de seu pensamento crítico, desenvolvido com a colaboração da leitura de notícias.

 

“É preciso que os meios de comunicação no Brasil olhem mais para as crianças e os adolescentes como cidadãos”

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