5 lições do caso Escola Base para jornalistas

O lançamento do documentário Escola Base — Um Repórter Enfrenta o Passado ajuda a imprensa a revisar práticas e evitar que erros assim se repitam  


Em março de 1994, algumas mães de crianças em idade pré-escolar denunciaram por supostos abusos os donos da Escola Base e o marido de uma das proprietárias, que fazia o transporte escolar. Eles foram acusados de promover orgias com a participação dos alunos da escola.

 

O caso surgiu como um rastilho de pólvora aceso de maneira desastrada: falhas na perícia do IML e a postura incompreensível do delegado incumbido do caso na fase de investigação foram coroadas no imaginário da opinião pública por falhas na reportagem de Valmir Salaro, da TV Globo, o primeiro a noticiar o escândalo – arrastando todos os demais veículos de imprensa a partir do pressuposto de culpa dos acusados.

 

Essa cadeia de erros levou à execração pública dos investigados, que viram suas vidas, suas casas e tudo mais destruídos de modo irreversível – apesar de, em apenas três meses, todos eles terem sido inocentados das acusações.

 

Para entender melhor toda a sequência de acontecimentos e seus desdobramentos, vale a pena assistir o documentário Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado, produzido pela Globoplay, no qual Valmir Salaro revisita o caso, faz um mea culpa e, ao contrário do que fez na cobertura original, tenta dar voz (e ouvidos) aos acusados (algo impossível, pois parte deles teve de ser representada por seus descendentes, pois não estão mais aqui para falar).

 

Aqui, listamos cinco lições desse episódio vergonhoso da imprensa nacional (que até hoje é tema obrigatório de ensino e análise nas salas de aula de qualquer escola de Jornalismo do país).

 

1. Nunca deixe de ouvir os dois lados

Do ponto de vista das normas da apuração, parecia não haver espaço para dúvidas: depois da denúncia, uma legista do IML libera um laudo confirmando os abusos e o delegado que conduzia o inquérito não deixava nenhum espaço para dúvidas sobre o desenrolar dos fatos. Portanto, tudo certo, certo? Errado! Faltou o básico do bom jornalismo: abrir espaço para o contraditório. Como? Simples: ouvindo os acusados e seus argumentos em sua defesa. Sem esse “pequeno” detalhe, o Jornalismo se tornou, nesse caso, uma prévia do que hoje vemos com inquietante normalidade: a rotina tão banal e igualmente perigosa quanto as informações apócrifas que movimentam o universo das fake news que alimentam a atual polaridade.

 

2. Se não apurou todo os fatos, não publique

Um dos argumentos que Valmir Salaro utilizou no documentário para justificar ter dado a notícia no Jornal Nacional foi o de que aquela história poderia ser dada por algum concorrente – e ele, que havia sido o primeiro a descobrir o “furo”, seria furado pela concorrência. Essa é uma rotina comum no Jornalismo: repórteres que acabam sendo furados por concorrentes por esperar demais para dar uma notícia. Porém, essa dinâmica não pode passar por cima de um princípio básico do bom Jornalismo: a confirmação dos fatos a serem noticiados. Do contrário, nada diferencia isso do que aconteceu, por exemplo, com uma mulher linchada no Guarujá, em 2014, por ser confundida com uma sequestradora de crianças que protagonizava uma fake news.

 

3. Trate denúncias como tal – e não como fatos consumados

Hoje, já é comum que, mesmo tendo confessado ter cometido algum crime, todos sejam tratados como suspeitos. Como? Percebam que são sempre chamados de “suposto assassino”, “suposto traficante”, “suposto sequestrador” ou “suposto assaltante”. Isso permite que os fatos sejam noticiados, mas nunca de forma a decretar a culpa de quem quer que seja – que só pode ser atribuída depois de a pessoa ser julgada e condenada.

 

4. Desconfie de depoimentos conduzidos por perguntas manipuladoras

Uma das coisas mais chocantes vistas na cobertura do caso da Escola Base na verdade são duas: primeiro, expor as crianças nas reportagens (mesmo tomando o cuidado de não mostrar seus rostos); depois, de verdadeiros “interrogatórios” com essas crianças ocorrerem sob um verniz de “entrevista” – mas de forma a conduzir as respostas. Em vez de perguntar “o que aconteceu?”, o que se viu foram coisas como “ele beijou você?”, “onde ele tocou você?” e outras perguntas que já partiam do pressuposto de que os fatos eram inquestionáveis. Imaginem isso com crianças de 3 e 4 anos…

 

5. Não demore para mostrar o arrependimento por noticiar algo errado

Uma vez que os envolvidos foram inocentados em tão pouco tempo (apenas três meses), mas o suficiente para destruir suas vidas, é preciso que os repórteres e os veículos envolvidos tanto na produção e difusão de notícias mal apuradas e nas suas deletérias consequências não poupem esforços para restabelecer a verdade dos fatos e fazer tudo o que puder para reparar os erros. E não basta uma “errata” escondida numa nota de rodapé. No caso da Escola Base, foram 28 anos de espera…

 

LEIA TAMBÉM:

10 coisas que ninguém te contou sobre a rotina de um jornalista

Quiz: com qual personagem jornalista você mais se parece?

Quer ver mais conteúdos do #tmj?

Preencha o formulário abaixo e inscreva-se gratuitamente em nossa newsletter quinzenal!

Você vai curtir

Compartilhe

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on tumblr

INSCREVA-SE EM NOSSA NEWSLETTER