Não se discute política, anime e religião

Seja em futebol, política, anime ou religião, estamos amplamente dispostos a entrar nas discussões para validar nosso ponto de vista inicial

Por FelipeRAG

 

Já experimentou chegar em uma roda de santistas e dizer que o Pelé não foi grande coisa assim? Um bom jogador, mas, na sua opinião, menor que o Maradona a nível de legado. Não precisa concordar, inclusive. Faça em nome da ciência! Você verá as expectativas sendo moldadas por aquilo que queremos acreditar. É de se imaginar que existam pessoas, inclusive brasileiros, que acreditem na superioridade de Maradona enquanto atleta ao Pelé, mas, de coração, eu te desafio a encontrar um torcedor do Santos que expresse essa opinião.

Um leve disclaimer: futebol também poderia estar no título, mas acredito já ter caído no ridículo para boa parte das pessoas o conceito de não se discutir um… esporte. A não ser quando a temática é associada à política, porque aí, realmente, essa ideia ainda não virou piada.

Cena de Shingeki no Kyojin Foto: Reprodução

Em compensação, eu tenho certeza que ninguém abriu isso aqui pra ler uma opinião sobre Maradona ou Pelé. Tenho um exemplo mais contextualizado, então, além de ser mais recente. Chega em uma roda de fãs de Shingeki no Kyojin, um dos mais novos candidatos a se tornar um clássico, e cola a seguinte mensagem: o anime flerta com o fascismo.


Reitero, não precisa concordar com a afirmação. Vamos manter tudo em nome da ciência! Pessoalmente, para ser sincero, eu te desejo um pouco de sorte tentando negar as associações fascistas de Shingeki, mas o foco desse texto não é, definitivamente, te provocar, mas fazer com que você provoque os outros!


Apesar de ter criado aspas e exemplos que não levaram essa estrutura textual a lugar nenhum e só tiraram um ou dois minutos do seu precioso tempo, acredito ter um protótipo de reflexão pontual que é válido trazer em cima do que já foi falado aqui. Se as obras audiovisuais clássicas não podem ser postas em xeque pela sua própria fanbase, quem deveria fazer esse papel? Se não existe uma espécie de autorregulação do bom senso na própria comunidade, independentemente de você achar que se aplique a esse caso ou não, de onde deveriam vir as opiniões sobre as discussões propostas pela obra?


(Se você pensou no CONAR ou em legislação quando leu autorregulação, talvez até sentindo arrepios pela palavra regulação, sério. Respira. Você provavelmente faz PP e talvez até goste – e tá tudo bem. Mas não pense nisso de novo. O fantasma da regulação não se faz presente aqui neste textinho de qualidade e informação totalmente questionáveis. E eu prometo que vou tentar focar, de novo, no tema principal do texto.)


Um conceito interessante de ser colocado contra a parede aqui é a expectativa. Nossa percepção da realidade é totalmente influenciada por aquilo que fazemos; por aquilo que gostamos e não gostamos. Só que isso acaba sendo meio óbvio, pra ser sincero. O ponto da questão é que a nossa forma de enxergar os fatos está diretamente relacionada, também, ao que queremos ver. Se você gostou de Shingeki no Kyojin, assim como eu, você não quer que ele flerte com o fascismo. EU ESPERO. Mas existem pontos que despertam, no mínimo, curiosidade e definitivamente não deveriam ser ignorados exatamente pela base de fãs que gosta de olhar pelo lado mais crítico.

“Mas eu só gosto de ver soquinho de titã que fica duro ou que solta fumacinha”


Bom… É um direito. Tem quem goste de Star Wars só por amar lutinha de espada colorida e barulhinho de naves espaciais e durma na parte política da trilogia do Anakin – e, repito, tá tudo bem. Mas, para contextualizar quem nunca viu Shingeki – algo que deveria ter sido feito parágrafos antes, porque agora o leitor que nunca assistiu ao anime definitivamente já trocou de texto –, segue uma lista curta e nada explicada do porquê podemos debater se o anime flerta com o fascismo:


1. Hajime Isayama (autor) acredita que a colonização da Coreia pelo Japão foi positiva para os dois países e não deveria ser associada ao fascismo;


2. O Oficial Superior da Guarnição das Muralhas (confia em mim, isso é um cargo super importante), Dot Pixis, é um dos personagens mais ideológicos “para o bem” da obra, mesmo sendo diretamente inspirado em Akiyama Yoshifuru, um dos principais militares do exército imperial do Japão nas campanhas de invasão e colonização da Coreia e da China;


3. Isso aqui merecia um texto à parte (não meu), mas alguns tópicos que poderiam ser compilados nesse mesmo tópico: ideia de raça superior sempre presente tanto nos “protagonistas” de Paradis, quanto no lado, a priori, nazista de Marley. As críticas ao sentimento anti-guerra da própria Ilha Paradis. Excesso de vanglória à figura militar, num sistema monárquico absolutista e… fascista.


“Ah, mas na última temporada eles rompem com o lado militar!”


Sim! Quando um protagonista se torna um genocida que nem Adolf Hitler sabia do potencial.


E quando voltamos ao ponto sobre as expectativas, caso você não acredite que Shingeki no Kyojin flerte com o fascismo, possivelmente você não percebeu que eu disse que esses três tópicos poderiam surgir para debater se o anime flerta com o fascismo. Não foi uma defesa, tampouco um manifesto.

Seja em futebol, política, anime ou religião, estamos amplamente dispostos a entrar nas discussões para validar nosso ponto de vista inicial. Sem percebermos, mergulhamos na ideia de aprimorar aquilo que já pensamos, deixando para quem senta com a gente numa roda de debate apenas duas opções: dizer aquilo que queremos ouvir ou estar errado.


Conteúdo originalmente publicado no Newronio, blog escrito pelos alunos do Arenas ESPM, agência experimental do curso de Publicidade e Propaganda da ESPM.

 

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