Erros são mais comuns do que queremos (ou podemos) admitir. Mas fingir que não os cometemos é mais prejudicial do que a obrigação de acertar sempre…
Todo mundo tem uma versão “prêt-à-porter” da sua própria vida. Nela, somos aquilo que queremos que os outros vejam – o que faz com que nossos acertos se tornem épicos e nossos erros, algo do qual fomos vítimas sem responsabilidade. Ou seja: a imagem e semelhança da perfeição, da justiça, da bondade e da razão. Quem consegue conviver com o peso (e a expectativa alheia) de “100% de aproveitamento” na vida?
Não vou aqui nem “glorificar as mancadas” e nem ficar falando do “aprender com os próprios erros”. Não é essa a questão. Antes do “aprendizado”, erros causam dor, insegurança, vergonha, medo – e até consequências mais dramáticas. Erros servem para nos dar uma real dimensão de nós mesmos. Seja a admissão de que (quando for o caso) “batemos o carro” em vez de “bateram em mim”, seja simplesmente dizer “não deu certo” – sem os tradicionais “mas fulano isso, fulana aquilo…”.
O medo de errar é paralisante. A ponto de, em seu nome, buscarmos as zonas de conforto. Ficamos presos no fazer (e refazer, repetir) aquilo que é “baixo risco”, que dificilmente dará errado. Com o tempo, porém, nós mesmos nos cansamos da rotina – e a “plateia” também. E onde não há expectativa, frisson, frio na barriga, não há empolgação, superação e nem vitória.
Nisso, o teatro pode ser uma boa metáfora do que quero dizer: mesmo sendo o mesmo texto, com os mesmos atores, as mesmas marcações, os mesmos figurinos etc., muda a plateia todos os dias. E isso é desafio suficiente para que, mesmo tendo sido aplaudido na noite anterior, o elenco dê seu melhor, busque algo novo, “fresco”.
Nós podemos não ter uma plateia nova todos os dias, mas certamente podemos incorporar, no nosso espetáculo particular, desafios que, sem a obrigação de acerto total, podem melhorar (e muito) nosso show. Que o “bom medo” espalhe seus efeitos nas nossas vidas.