Sempre atual: o modelo de negócios da Globo

Ao longo das décadas, hegemonia foi ameaçada por novas tecnologias, mas a Globo sempre esteve no topo. Qual o segredo?

 

Sou fanzaço da Rede Globo. Eles são arrogantes? São. Sabe aquela arrogância de quem sabe que é bom? Pois é… Beijinho no ombro, pra você também! Entra ano, sai ano, a TV Globo continua líder. Abre TV Manchete, fecha TV Manchete, chega a TV a cabo no Brasil, tudo acontece e nada abala a liderança de público e faturamento deles.

Só que, agora, a concorrência deles não é mais com outro veículo de comunicação: é com uma nova forma de consumir conteúdo. Se no passado a maior briga deles para não perder relevância foi durante a febre das TVs a cabo no Brasil, agora o buraco é mais embaixo. E essa crise não é só no Brasil: afeta todos que fazem conteúdo televisivo em todos os cantos do planeta. Lógico que estou falando da internet e seus efeitos. Ela chegou sem pedir licença e mudou o hábito das pessoas.


Em poucas décadas, duas das razões do monopólio da Rede Globo foram quebradas: primeiro, a falta de opção de boa programação. Os mais de 100 canais de TV por assinatura pulverizaram a audiência. Você quer assistir a um filme agora, sem esperar a Sessão da Tarde? Toma aqui 10 canais só de filmes. Seu filho precisa de uma babá eletrônica às 21h e não de manhã? Pronto! Oito opções de canais infantis. E por aí vai. As poucas opções de TV aberta foram atacadas e perderam o poder de ditar que horário assistir o quê.


Aí entram a internet e o Youtube e começam a construir um novo formato. Se as TVs pagas criaram alternativas de horário para os programas, mas continuavam a ditar o momento para o começo e o final da transmissão, a internet criou o novo hábito do imediatismo. Com exceção dos eventos ao vivo, qualquer conteúdo pode ser consumido no momento que você quiser. E isso deixou a Rede Globo mais antiquada ainda.


Você soma o poder das opções da TV paga com a liberdade de horário da internet e surgem aí as TVs por streaming. Primeiro os aplicativos, tipo Netflix, Amazon Prime, Apple TV+ e Disney+. Depois os canais por assinatura, vendendo seus conteúdos individualmente, como HBO on Demand, ESPN+, Telecine e todos os demais. Consumir conteúdo agora é instantâneo, como toda a vida parece que está se tornando. Eu quero algo? Então eu tenho exatamente agora!


Mas esse texto é sobre a Globo, certo? Nesse mundo de mudanças, o que ela fez? Jogou para o alto as velhas receitas e criou o conceito “Uma só Globo”. Para quem convive com a Globo e seus executivos há anos, é muito interessante ver essa mudança quase que óbvia. A TV aberta era tão maior do que o resto do grupo que nenhuma iniciativa de cross selling, ou venda conjunta, funcionava. Qualquer iniciativa das rádios ou dos sites era pequena demais pelos padrões da Vênus Platinada. Foi preciso o modelo de negócios das TVs abertas ser atacado em todo o mundo para que eles mudassem. E eles mudaram de verdade.


Tenho certeza de que a primeira grande mudança foi na cabeça dos sócios proprietários, a família Marinho. A terceira geração deve ter influenciado bastante essa nova visão. Mas a contratação de novos executivos vindos de fora da indústria da TV, bem como a rotatividade dos antigos entre as empresas do grupo, deve ser a mola mestra das mudanças. A gente vê os sinais da Globo unificada por todos os lados. Mas alguns são gritantes e podem ser taxados como símbolo da nova mentalidade.


Diz a lenda que, nos anos 1980, a Rede Globo não aceitava comerciais de aparelhos de TV com controle remoto. Para eles, o aparelhinho que mudava de canal à distância iria permitir que o telespectador descobrisse outras opções de TV, sem nenhum esforço. Besteira, pois a grande diferença estava, e sempre esteve, no conteúdo. Agora, em 2020, a nova versão melhorada da Globo aceita comerciais da Netflix e Amazon Prime. É seu próprio concorrente anunciando dentro de você e dizendo: troque de canal! Uma mudança e tanto de postura.

Mas esse novo jeito de pensar se materializa mais fortemente no Globoplay. Esse é o serviço de streaming da Globo e demonstra que eles entenderam que uma coisa é conteúdo, outra é distribuição. Criar o Globoplay não é a questão. Dar protagonismo é que mostra a nova mentalidade. Todos os programas de TV, como jornais, filmes e novelas, terminam com a assinatura da Globoplay. Os apresentadores convidam os telespectadores a assistir o conteúdo no aplicativo. Comerciais invadiram a programação. Os seriados chamam para a maratona no aplicativo. Conteúdos exclusivos foram criados para ele. As estreias acontecem lá. E o telespectador vai ficando interessado a migrar para o novo modelo.


Resultado disso tudo? Globoplay é hoje a líder de streaming brasileira. Tem 20 milhões de assinantes, 3 a mais do que a Netflix, a vice líder. Verdade que uma grande parte deles não paga um centavo pelo aplicativo. Mas são possíveis futuros assinantes da versão monetizada. Enquanto isso, a versão gratuita entrega mídia em troca de conteúdo, um jeito antigo e conhecido de se fazer TV.


Próximos passos nessa evolução? Não sei. Minha bola de cristal está quebrada. Mas sei que dói muito se reinventar, como a Globo está fazendo. O grande consolo é que todo mundo que sobrevive, sai mais forte.

 

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