A cineasta catarinense Liliana Sulzbach dá as coordenadas essenciais do que não pode faltar em um roteiro
Nos anos 60, surgiu no Brasil um movimento cinematográfico batizado de Cinema Novo. O cineasta Glauber Rocha, um dos grandes expoentes dessa corrente ao lado de Nelson Pereira dos Santos, cunhou uma frase célebre que dizia que bastava ter “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão” para fazer um filme. Mas será que é só isso que basta? Não seria necessário algo mais, como um roteiro para nortear o trabalho de contar uma história, seja num filme ou em um documentário?
Na opinião da cineasta catarinense Liliana Sulzbach, diretora do longa O Cárcere e a Rua e de curtas como A Cidade e A Invenção da Infância, é preciso fazer um roteiro, sim. “Quando se pensa num tema relevante, tem que pensar muito bem em como abordá-lo. Mesmo que haja documentaristas que dizem o contrário, eles já têm um estudo prévio quando vão começar a filmar e abordar o tema”, explica.
Segundo ela, não tem como não pensar em uma lógica argumentativa ou em uma dramaturgia da narrativa independentemente do tipo de obra que vai ser feita, uma vez que toda história precisa de uma estrutura. “O roteiro se preocupa, num primeiro momento, com o tipo de abordagem que quer dar para o tema. Cada tema pede um tipo de abordagem e, dependendo dela, é preciso desenvolver o roteiro prévio, mesmo que ele mude durante a filmagem”, diz Liliana.
O ponto mais importante é estar atento à história que se quer contar, pois ela é a mãe do documentário. E aqui entra a dedicação à pesquisa sobre o tema, porque ela é fundamental para entender de que forma se pode abordar determinado assunto. Para isso é necessário pesquisar muito. Entender o todo para trabalhar com uma parte desse todo. Depois, seguir uma sequência de passos importantes apontados por Liliana para a elaboração de um bom roteiro de documentário.
1. Tema e viés de abordagem
Pergunte-se: sobre o que é o tema? Do que estou tratando? O que pretendo mostrar? Que história eu escolho contar? Como vou fazer? Como vou abordar o tema?
2. Definição dos protagonistas
Quem são os personagens através dos quais vou contar a história. Aqui o diretor também se questiona se vai se colocar como personagem do documentário. Também deve-se imaginar se os personagens vão conduzir a história e como eles vão se comportar na narrativa.
3. O roteiro não pode ser engessado
Não se deve vestir uma camisa de força e ser inflexível a alterações no roteiro, pois podem surgir novas informações ou personagens durante as filmagens, mudando a ideia original. Estar aberto e saber corrigir a rota da história pode até melhorar e engrandecer a história.
4. Pensar na estrutura
Num documentário, ter conhecimento prévio do tema ajuda a desenvolver a abordagem e preparar a equipe para o trabalho. Na hora da gravação, já se sabe como vai ser o posicionamento da câmera, o enquadramento, a iluminação, se vai ser necessário ou não usar filtro e, mesmo com essa preparação prévia, deve-se considerar contratempos e levar, por exemplo, um tecido para fazer um fundo para uma entrevista, uma roupa de cor neutra, caso seja necessário trocar a vestimenta de um personagem.
5. Recorte da realidade
Um documentário é um recorte de uma realidade, definido a partir do que se pretende mostrar para o expectador. Por isso, diferentemente de um trabalho jornalístico, o documentário não precisa necessariamente ouvir os dois lados de uma história, embora Liliana destaque que numa obra investigativa é interessante ouvir os dois lados.
6. Construir uma bagagem
Ter um repertório de conhecimento é importante para contar uma história. A leitura ensina a entender como as histórias de estruturam. Machado de Assis, Rubem Fonseca e Ruy Castro são autores recomendados por Liliana para quem quer entender a sociedade brasileira. Ela também sugere livros sobre o tema:
Filmar O Que Não Se Vê: Um Modo de Fazer Documentários, de Patricio Guzmán
Introdução ao Documentário, de Bill Nichols
Direção de documentário, de Michael Rabinger
Mas Afinal, O Que é Mesmo Documentário?, de Fernão Pessoa Ramos
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