Acessibilidade nas universidades: especialista aponta os desafios e a importância do apoio aos estudantes

Mecanismos práticos e políticas de inclusão e acessibilidade no meio universitário são o foco do papo que batemos com o professor Angelo Masson Hernandes, que lidera o PIPA – o Programa de Intervenção Pedagógica na Aprendizagem da ESPM

 

Sempre que se fala em inclusão no ambiente de aprendizado, não raro o pensamento é o de simplesmente abrir as portas das instituições de ensino. Mas esse, por maior que seja, é apenas o primeiro passo para que a inclusão seja real.

Ou seja: que proporcione o apoio necessário para garantir que sejam vencidas eventuais dificuldades que surgirem na trajetória de estudantes que tenham o diagnóstico de transtornos de aprendizagem ou dificuldades pontuais em seu desenvolvimento cognitivo. E isso não acontece sem o real envolvimento da instituição e de suas equipes em todos os seus níveis – para muito além das “boas-vindas”.

Para falar sobre isso, fomos conversar com o Professor Dr. Angelo Masson Hernandes, Coordenador do Programa de Intervenção Pedagógica na Aprendizagem -PIPA- ESPM, uma unidade de apoio e promotora de estratégias auxiliares para que alunos dentro desse perfil sejam acolhidos em suas limitações e possibilidades, promovendo o que a Escola chama de “aprender a aprender”.

 

Geralmente, estudantes com necessidades especiais acabam sendo vistos como uma “categoria” – mas quais são as necessidades especiais mais recorrentes entre eles e quais caminhos seguir para uma real inclusão?

 

De fato, é preciso enxergar fora dessa “categoria”. E entender as necessidades especiais – leves, médias ou severas – que se interpõem ao ato de aprender, que precisam ser respeitadas quando tratamos do processo de alguém construindo conhecimentos, principalmente se isto se dá num espaço chamado escola. Nesse ambiente, para poder oferecer ocasiões de aprendizagem adaptadas, para assegurar que o processo do conhecimento ocorra, são indispensáveis a parceria do professor e o olhar plural, porque não há necessidades especiais “mais recorrentes”. Ganhe o nome que lhe derem, tenha por ponto de partida a genética, ou uma injúria cerebral grave, o diagnóstico sozinho não define a dinâmica do processo.

 

Diante dessa abordagem, o que se observa no comportamento de cada estudante para conhecê-lo melhor?

 

Observamos o agir, reagir, interagir do estudante, sua comunicação – seu emprego da relação linguagem-pensamento em atos comunicativos ou expressivos). Igualmente analisamos o seu intelecto, sua aptidão para raciocinar e compreender a informação e os conceitos, bem como suas habilidades cognitivas, ou como ele trata informação e resolve problemas. Não ficam de fora suas características físicas: a coordenação entre motricidade global e a fina, as estruturas e funções preservadas ou não de sua anatomia.

 

As necessidades sempre marcam uma condição física, sensorial, mental, emocional, social ou cultural que torna diferente a demanda do estudante para concretizar o aprendizado. Uma ou mais condições dessas de um só tipo ou mistas, exigem adaptações, mudanças, instrumentações específicas que permitam aprender: dificuldades específicas de aprendizagem, problemas de comunicação, deficiência intelectual (deficiência mental), perturbações emocionais e de comportamento, multideficiência, deficiência auditiva, físico-motora ou visual, problemas de saúde, perturbações do espectro do autismo, surdo-cegueira, traumatismo craniano e até mesmo a superdotação.

 

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Ou seja: estamos falando também de estudantes avaliados como superdotados?

Alguém com superdotação em algum aspecto ou habilidades destacáveis em algo também é alguém que tem necessidade especial para aprender. Cada um de nós, em algum momento, diante de um dado contexto ou situação, de modo durativo ou temporário, pode ter uma necessidade de amoldar condições para facultar o aprendizado.

 

“Alguém com superdotação em algum aspecto ou habilidades destacáveis em algo também é alguém que tem necessidade especial para aprender”

E quais as maiores dificuldades que estudantes com necessidades especiais encontram no momento de chegar à universidade?

 

Lamentavelmente, as maiores dificuldades que são interpostas entre eles e a formação acadêmica estão sediadas no fato de serem sub-representados, e estarem na “categoria” mais marginalizada e vulnerável como aspirantes ao mundo acadêmico. Se chegam a ser alunos regulares, não são “universitários” como os demais: enfrentam as várias formas de estigmatização e discriminação, além da negligência acadêmica ao exercício de seus direitos. Aquilo que chamam “educação inclusiva” neste país lamentável, faz a gentileza de ignorar, também na universidade (e no “mercado”), a importância de reconhecer, legitimar e levar em consideração as deficiências ocultas, a deficiência intelectual e como isso pode influenciar o sucesso dos alunos acadêmica e pessoalmente.

 

E como isso ocorre dentro da universidade – e que demanda atenção?

 

Ao entrarem para a universidade, a maioria desses estudantes leva consigo um pensamento mágico de que, quando essa porta se abre, sua condição para a aprendizagem se livra das marcas do passado. Rapidamente, porém, a realidade escancara um universo mais incompreensivo, cruel e excludente. Sozinhos e com o volume de dificuldades muito maior que o dos colegas, eles têm sua autoconfiança minada. De nada lhes adianta saber que sempre carregaram alguma diferença, ou saberem, precisamente, o nome dela. Sua consciência sobre essa diferença não vai promover o apoio de que precisam. A dificuldade de aprendizagem, sem as adequações, para que possa haver a construção do conhecimento, custa o futuro deles, custa a autoestima, a depressão e vestígios psicológicos indeléveis e fica mantido o silêncio sobre neurodiversidade. Eles, de fato, não são considerados pessoas. Prevalece a sua deficiência.

 

A ESPM criou o Programa de Intervenção Pedagógica na Aprendizagem, o PIPA. Quais são as melhores práticas desenvolvidas e adotadas pelo PIPA?

 

Criei o Programa de Intervenção Pedagógica na Aprendizagem em 2013 pensando que uma instituição de ensino superior contemporânea e responsável não poderia dizer-se inclusiva se não declarasse e exercesse, também, sua preocupação genuína com as necessidades educativas específicas não visíveis.Queria ver essa escola como exemplo dos pressupostos que movem a verdadeira transição da ultrapassada educação integradora para a efetiva educação inclusiva: ganhar distância da farsa de uma igualdade residente num discurso traiçoeiro para incorporar o real exercício da equidade, alicerçado no reconhecimento e na valorização das diferenças individuais. Se algo mudou na ESPM com o PIPA foi apenas o seu olhar, garantindo aos estudantes diferentes que ela incorpora a cada semestre, o direito a ser diferente, do que ela conhece, sabe ou faz. 

 

E como funciona esse trabalho do PIPA?

 

Como uma unidade de apoio, promotora de estratégias auxiliares para alunos que nos chegam diagnosticados com necessidades especiais para aprender e para todos que apresentem dificuldades pontuais em seu desenvolvimento cognitivo. A outra face do programa contempla o professor, levando até ele as ações adequadas a cada caso, dado que o programa entende ser o professor o parceiro indispensável ao aluno no processo de construção efetiva do conhecimento. As intervenções são sempre baseadas na precisão diagnóstica prévia e no desenvolvimento de ajudas precisas e pontuais. As tutorias semanais de conteúdo e de processo de aprendizagem, com o coordenador responsável pelo Programa, procuram dialogar sobre a maximização da aprendizagem, possibilitando que os estudantes diminuam suas dificuldades pessoais e aprendam a controlar melhor os fatores que interferem no desempenho acadêmico satisfatório.

 

“A dificuldade de aprendizagem, sem as adequações, para que possa haver a construção do conhecimento, custa o futuro deles”

Uma vez aprovado no vestibular, como é o processo?

 

Reunimos informações do profissional médico que atende ao aluno, orientações da escola de onde ele provém, de sua família e dele próprio. Fazemos um exame vestibular personalizado, até mesmo na correção. Na matrícula, o candidato pode optar pelos serviços do programa que fará. Em seguida, fazemos o planejamento desse primeiro encontro com o estudante. O objetivo é complementar, através do diálogo, as informações pessoais, meios materiais e adaptações que solicite e as que a unidade considere apropriadas. No caso de as necessidades não poderem ser atendidas imediatamente ou requeiram adaptações de especial complexidade, será informado o tempo necessário para que a unidade estude e proponha os procedimentos e adaptações mais adequados para a integração do aluno. Se quiserem, os candidatos também podem beneficiar-se de uma entrevista com um protocolo de detecção de dificuldades de aprendizagem. Esse recurso, que independe de questões médicas, faz um recorte educacional de levantamento de necessidades por via da neuropedagogia. O programa também fornece informações para que o professor saiba como agir com cada aluno – e acompanha cada estudante, durante todo o curso, inclusive nos intercâmbios, com a necessária autonomia decisória dele. Também acompanha e prepara na busca e realização do estágio e nas questões de empregabilidade, ao final da graduação.

 

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