Ficar meses e meses trancado em casa me deu uma alegria: lembrar que, quando pude, coloquei uma mochila nas costas e saí pelo mundo
O Brasil estava um terror. Plano Collor, confisco, tudo desorganizado e sem muita perspectiva.
Com grana para pouco menos de um mês, fiz virar mais de quatro.
Cortei refeições, só viajei em trens noturnos, trabalhei no café da manhã de albergues em troca de hospedagem (e de poder carregar o que sobrava para comer no resto do dia), dividi quartos e banheiros com um bando de mochileiros (alguns estranhos, outros poucos “aproveitadores” e uma maioria de gente que valia a pena conhecer), esqueci guloseimas (era um chocolatinho por semana – e olhe lá…), lanchinhos e outros mimos. Evitava metrô ou ônibus em troca de caminhadas beeem longas.
Tudo para poder ir a concertos, shows, museus, peças de teatro – e flanar por algumas livrarias em busca de livros e CDs imperdíveis que, naquele tempo, não chegariam aqui nem por decreto. Ia meio molambento (lavar roupa era um luxo; passar era além da imaginação), com cabelão e barba meio desgrenhados, mas feliz.
Hoje, não aguentaria uma semana dessa vida – nem na Europa. Por isso que temos de fazer as coisas no seu tempo. Aquele era o meu tempo, quando “perder” mais de quatro meses da “vida normal” era, na verdade uma adição de experiências. Um tempo que a gente recupera rapidinho quando se é jovem.
E, mesmo que não seja assim tão “rapidinho”, estamos vacinados contra a paralisia das incertezas, o medo do desconhecido ou o temor de experimentar. Eis do que se trata mochilar. Mais do que ticar em um mapa igrejas, pontos turísticos e outras coisas “imperdíveis”, trata-se de se descobrir. De entender seus limites. E saber que pode sobreviver até mesmo a eles.
Como no dia em que, de tão cansado de caminhar com a bendita da mochila nas costas depois de um dia tentando conseguir algum transporte em meio a uma greve na Itália, simplesmente desabei. Ok: era o meu limite. E dormir num banco duro da estação de trem não arrancou pedaço.
Ou na noite em que, na fronteira entre Portugal e Espanha, fui acusado de ter roubado um espanhol meio “Gardelón” (personagem “muy amigo” criado por Jô Soares) – e ter de me virar para sair daquela situação.
Apesar de todo o horror da pandemia que estamos vivendo, só queria trazer um recado claro para a juventude: não perca tempo e vá mochilar!
Você já é um sobrevivente. Você é jovem. Você não será para sempre. Agora, tem de fazer valer o tempo que lhe cabe.