8 filmes pouco conhecidos sobre o Holocausto que você precisa assistir

Confira produções sobre o tema, que buscam um equilíbrio delicado entre a propaganda, a ética da representação e o respeito à memória das vítimas

 

Não há produto cultural ou obra cinematográfica que não esteja marcada pela dimensão da propaganda ideológica. Após o final da Segunda Guerra Mundial, os países beligerantes lançaram as suas próprias versões sobre o nazismo e, igualmente, sobre o Holocausto e suas vítimas. Desde 1945, quando os prisioneiros dos campos de concentração e extermínio começaram a ser “libertados”, as tropas aliadas trataram de fotografar e de filmar o que encontraram, visando registrar as evidências e provas dos crimes nazistas. Assim, o Horror se tornaria um tema para o cinema, constituindo um novo gênero: os chamados filmes do Holocausto, dos quais A Lista de Schindler (1993) é o mais aclamado, apesar de destacar um empresário nazista convertido em herói e salvador das vítimas.

 

Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard), de Alain Resnais (1956)

 

 

Este documentário de 32 minutos, encomendado para marcar os 10 anos de libertação dos campos, confirma Resnais como um cineasta “comprometido com temas como a memória e a morte”. Noite e Neblina nos conduz a uma reflexão sobre o Horror, a partir do texto de Jean Cayrol (prisioneiro no campo de Mauthausen), da locução de Michel Bouquet e da música original composta pelo judeu alemão Hans Eisler. Evitando o sentimentalismo ou as imagens de arquivo macabras e realistas, o diretor francês assina a obra mais sofisticada do ponto de vista estético e a mais irrepreensível no que tange ao aspecto ético. Intercalando pioneiramente imagens de arquivo em P&B com cenas em cor filmadas no campo de Auschwitz-Birkenau, Noite e Neblina inaugura a noção de filme-ensaio e convida o espectador a pensar na memória das vítimas e na possibilidade de repetição da barbárie, numa perspectiva que seria chamada por Hanna Arendt de “banalidade do mal”.

 

Fascismo de Todos os Dias (Obyknovennyy Fashizm), de Mikhail Romm (1965)

 

 

O cineasta russo Mikhail Romm (1901-1971) produziu este documentário de propaganda soviética a partir do exame de “um terço dos cinco milhões de pés de material de atualidades alemãs”. Definido como uma conferência em 16 partes, Obyknovenni Fashism, com sua montagem criativa, busca pensar na significação do fascismo e se coloca entre os filmes-ensaio mais importantes do período. As tensões entre URSS e os antigos aliados levaram o filme a cair num índex proibido e seu talentoso diretor, em 30 anos de carreira, só conheceu dois sucessos, limitado pelos cânones do realismo socialista soviético. Todavia, o Hitler de O Fascismo Ordinário acabaria transformado numa figura grotesca, passível de risos. Como criticou um comentador da obra, o riso nos libera da maldade. O que apavorava se tornou grotesco, e agora o grotesco vira cômico: o Führer se transforma num palhaço. Por fim, a abordagem moral é substituída pela estética, que coloca tudo a uma certa distância.  

 

Kapò: Uma História do Holocausto (Kapo), de Gillo Pontecorvo (1960)

 

 

O diretor italiano, que se notabilizou por A Batalha de Argel (1965), narra a história de uma prisioneira judia que se torna Kap, espécie de chefe do barracão, com poder de mando sobre outras presas. Pioneiro na abordagem comercial do terror concentracionário, Kapo foi modificado em busca de um final mais ameno, já que o cineasta temia pela disponibilidade das plateias em aguentar duas horas de “uma história crua, dura, sem concessões desde o início até o fim”. Uma famosa cena do filme – em que um prisioneiro se suicida atirando-se contra o arame farpado eletrificado do campo – causou uma polêmica histórica: o cineasta e crítico Jacques Rivette afirmou no texto Da Abjeção, publicado no Cahiers du Cinema, sobre Gillo Pontecorvo: “o homem que no momento desta cena decide fazer um travelling de avanço para reenquadrar o cadáver em contra-plongée merece o mais profundo desprezo”.

 

O Porteiro da Noite (Portieri di Notte), de Liliana Cavani (1974)

 

 

A cineasta italiana nascida em 1923 concebeu a polêmica história sobre a relação sadomasoquista entre um ex-oficial da SS e uma ex-prisioneira judia que logrou sobreviver justamente por ter se transformado na sua preferida. Um reencontro casual num hotel na Áustria após a II Guerra reacende a patológica relação entre o então algoz, agora vivendo como um pacato porteiro de hotel, e a sobrevivente, casada com um famoso maestro. Isso coloca em perigo a falsa identidade de um grupo de nazistas que vive na cidade, o que levará a um desfecho trágico. O Porteiro da Noite indignou a comunidade judaica, mas deve ser visto sem moralismos, pois discute aspectos delicados e silenciados do Holocausto, escapando às (muitas) lógicas propagandísticas do tema. Cavani repetiria sua ousadia e provocações sobre os temas da Guerra e do nazismo em La Pelle (1981) e Berlim Affair (1985).

 

Shoah, de Claude Lanzmann (1985)

 

 

Nove horas de duração e uma montagem excepcional feita sobre 350 horas de gravação, em vários cantos do mundo, que consumiu 11 anos de trabalho, fazem deste documentário o mais respeitado pela crítica em relação ao tratamento da memória das vítimas do Holocausto. Lanzmann, judeu nascido em 1925, em Paris, lutou na resistência francesa contra a ocupação nazista e editou a Temps Moderns com Sartre e Beauvoir, mas angariou críticos e controvérsias ao apoiar incondicionalmente o Estado de Israel, país “fundado a partir da memória de um massacre”, tema de suas obras Por que Israel? (1973), Tsahal (1994), Un Vivant que Passe (1997) e Sobibor, 14 de outubro de 1943, às 16 horas (2001). Talvez o mais radical dos filmes-ensaio já realizados, Shoah evita o realismo obsceno das imagens de arquivo, limitando-se – eticamente – ao testemunho dos sobreviventes, espectadores e perpetradores do Holocausto. Uma prática implacável de entrevista recusa o discurso salvacionista e obriga os sobreviventes a falarem pelos mortos, que já não podem testemunhar o Horror.

 

Hitler, um filme da Alemanha (Hitler, ein Film aus Deutschland), de Hans Jürgen Syberberg (1977)

 

 

Com sete horas de duração, este documentário trata do nazismo, seus fetiches, carrascos e ícones da destruição e do terror igualmente no estilo de filme-ensaio. A obra merece ser vista a partir do famoso ensaio Hitler, de Syberberg, no qual a crítica cultural norte-americana Susan Sontag faz um elogio ao diretor, “consciente de que o tema não permite o uso de qualquer convenção estilística de gênero de ficção que se pareça com o realismo”, assim evitando conceber um espetáculo no passado que tentaria simular “a realidade que não se repete”. Para Sadoul, este “monumento do cinema contemporâneo” procede a uma “análise ideológico-estética através da linguagem fílmica”, articulando materiais originais como documentos fotográficos, marionetes, textos lidos por narradores, citações radiofônicas, musicais da época, discursos de Hitler e a música de Wagner. Já Fredric Jameson acusa o diretor de ser a típica encarnação de uma direita intelectualmente sofisticada e politicamente reacionária.

 

A Trégua (La Tregua), de Francesco Rosi (1997)

 

 

Como bem lembrou a sobrevivente do Gueto de Varsóvia Janina Bauman, “o mais brutal da crueldade é que ela desumaniza suas vítimas antes de destruí-las”. Pois o personagem principal desta narrativa baseada nas memórias do químico italiano e sobrevivente de Auschwitz, Primo Levi, sensivelmente interpretado pelo ator John Turturro, se empenha na “luta mais árdua de todas”: a de “permanecer humano em condições desumanas”. A Trégua conta a saga empreendida por Levi na volta ao lar, após a “libertação” dos campos, no cenário de uma Europa devastada e caótica. Numa cena polêmica que destaca o caráter ideológico da obra, um soldado/prisioneiro nazista se ajoelha, envergonhado, diante do protagonista, ao ver seu uniforme listrado de prisioneiro dos campos, situação que dificilmente veríamos na vida real. Já o belo trecho final narra em off uma conhecida passagem do livro de Primo Levi intitulado É Isso um Homem?. Chamado de “o filósofo do Holocausto”, Levi morreu antes da estreia do filme, em circunstâncias suspeitas que sugerem suicídio.   

 

Bent, de Sean Mathias (1997)

 

 

Projeto pessoal do dramaturgo Sean Mathias, Bent é uma das raras obras a lembrar dos homossexuais, as vítimas mais silenciadas e desprezadas do Holocausto. Iniciando com um panorama da “Berlim imoral” dos anos 30, na qual Mick Jagger protagoniza um cantor transformista, o filme passa pela chamada “Noite das Facas Longas”, em 1934, até centrar sua narrativa na paixão – naturalmente proibida – entre dois prisioneiros no asfixiante ambiente de um campo de concentração nazista. Bent é um filme gay em sua totalidade: uma peça de militância/afirmação da comunidade LGBT que não faz concessões à moral streight, o que, infelizmente, comprometeu visivelmente a recepção da obra. Isso nos faz lembrar, tristemente, que algumas vítimas são mais dignas de respeito e de um tratamento ético do que outras, reforçando a necessidade de repensar as intolerâncias “inocentes” que se escondem sob a absoluta intolerância.

 

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