Jornalismo: existe notícia boa e notícia ruim?

Para Jorge Tarquini, professor de jornalismo da ESPM-SP, existe o fato noticiado e o filtro positivo ou negativo de quem lê a informação

 

Não é de hoje que a imprensa brasileira vem sendo atacada e acusada de produzir inverdades e notícias negativas. Ao publicar dados sobre as mortes provocadas pelo coronavírus usando informações coletadas junto a órgãos estaduais, a sociedade viu essa atitude sob pontos de vista distintos: “– A mídia é contra o governo!”, gritaram uns. “– O governo é contra o povo!”, indignaram-se outros. A verdade é que a notícia é boa ou ruim a partir do filtro de quem a lê.


O papel da imprensa é comunicar. Contar um fato explicando o que aconteceu, quem está envolvido e o que isso acarretou ou pode vir a acarretar. “Mas cristalizou-se a ideia de que notícia ruim, que denuncia algo que não vai bem, é noticia boa para a imprensa, porque vende jornal e dá audiência, e todo jornalista é abutre e saliva por notícia ruim”, diz Jorge Tarquini, professor de Jornalismo da ESPM e curador de conteúdo do #TMJ.


Tarquini explica que antes da pandemia o jornalismo vinha enfrentando um declínio de audiência por conta da ascensão dos blogueiros e dos influenciadores, e as empresas de comunicação passaram a produzir conteúdo nesse guarda-chuva digital. Porém, com o coronavírus as pessoas entenderam que estar mal informado coloca a sua vida em risco e os acessos a portais do G1, UOL, Folha e Estadão aumentaram, assim como o Ibope dos telejornais.


Essa escalada da audiência veio corroborar a base que sempre sustentou a produção de informação: a verdade, seja ela qual for. “Descobrir que o governo rouba é boa ou má noticia? Esse é o fato e é o leitor quem decide. Crise vende jornal, mas isso significa que o público prefere notícia ruim, ou busca informação e cobertura bem-feita?”, instiga Tarquini, comentando o caso recente da carta de pacificação escrita pelo ex-presidente Michel Temer a pedido do presidente Jair Bolsonaro. Quem não concordou com o texto disse que foi covardia, quem gostou disse que Bolsonaro é um estrategista, ou seja, tudo depende de ponto de vista.

 

Falta de literacia confunde as pessoas

 

Mas há um aspecto que não pode ser ignorado, que é o desconhecimento em relação à produção de conteúdo, principalmente agora, que há muita gente falando sobre tudo. No geral, as pessoas não sabem a diferença entre opinião e notícia e muitas vezes não conseguem perceber que uma mentira não é fato. Nesse sentido, o professor afirma que vem do jornalismo a responsabilidade de embasar a informação com outra informação que a sustente, como publicar números sobre a perda de emprego decorrente da crise econômica, por exemplo, porque nenhum bom jornalista escreve opinião sobre algo que não inteirou – “se fizer isso trata-se de desonestidade intelectual”.

 

A falta de literacia faz com que as pessoas olhem para imprensa com maus olhos quando leem notícias que vão contra o que elas acreditam. “A verdade não é ruim. Cabe ao jornalista encontrar a linguagem que faça a pessoa ler e refletir sobre como um fato impacta a vida dela. Ao falar da reforma da previdência, por exemplo, porque não explicar para um jovem de 18 anos o que ela significa, colocando-o a par de como será a vida dele no futuro?”, questiona Tarquini, trazendo uma reflexão: as redes sociais propiciam que alguém diga o que uma pessoa deve pensar, enquanto o bom jornalismo não faz sucesso porque não diz o que deve ser feito e apenas apresenta os fatos.

 

O jornalismo demorou para entender a transformação da comunicação e para perceber que a migração das pessoas nas fontes de informação obriga as empresas de comunicação a se adaptarem. “Hoje estamos correndo atrás no que poderíamos ter sido pioneiros, porque o jornalismo deixou passar a revolução midiática. Havia o pensamento de que tudo era bobagem na rede social, mas essas bobagens ocuparam espaço e muitas pessoas acreditam que o que falam na rede é verdade.”

 

O positivismo pode ser transformador

 

No meio disso, surgiu uma corrente de informação hedonista, que ganhou mais força no período de isolamento social, porque as pessoas não querem ver jornal e sim descansar a mente. Um exemplo é o site Razões Para acreditar, que desde 2012 se propõe a publicar exclusivamente notícias boas como uma possibilidade de levar às pessoas a sensação de renovação de fé e a crença de que vale a pena continuar respirando, criado em 2012, aumentou a sensação de renovação de fé das pessoas e a crença de que vale a pena continuar respirando).


“Escolhemos focar no positivo não apenas para mostrar que o ser humano tem salvação, mas principalmente para exaltar o poder do bom exemplo que pode ser replicado”, diz Daniel Froes, curador e produtor de conteúdo do Razões Para Acreditar. Uma notícia simples, como a distribuição de marmitas para as pessoas em situação de rua, pode inspirar uma das 5 milhões de pessoas que acessam as plataformas do Razões e ser colocada em prática numa pequena cidade do Nordeste.

 

Froes concorda com Tarquini sobre o papel do jornalismo, de informar independentemente de ser notícia boa ou ruim, mas defende que vale a pena tentar criar um equilíbrio para a pessoa não ficar tão para baixo com o que vê nos noticiários, podendo desfrutar do contraponto das coisas positivas. “Fomos acostumados a ler notícias ruins, mas hoje essa cultura está mudando.” Ele conta que situações negativas e de sofrimento podem se transformar em algo positivo quando a comunicação traz um viés solidário.


Por meio da Voaa, plataforma de financiamento coletivo do Razões, já foram arrecadados mais de 20 milhões de reais em 325 vaquinhas virtuais. Histórias de problemas de moradia, doença e empatia, em vez de noticiadas no sentido de comover e gerar pena, foram transformadas em pedidos de ajuda, despertando a compaixão das pessoas. Todas as campanhas são verificadas antes de irem ao ar e faz-se um contrato e um acompanhamento para assegurar que o dinheiro será direcionado para solucionar o problema do necessitado. “Notícias negativas são importantes e a imprensa tem que contar sobre o que não gostaríamos de ler, mas falar sobre coisas boas também é necessário. Há espaço para todo mundo”, diz Froes.

 

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